O artista João Rosa Narciso (1996, Rio Maior) realiza a sua primeira exposição individual, intitulada Com duas pedras na boca, na Galeria Diferença, entre 24 de outubro e 21 de novembro de 2020.
A exposição é constituída por peças, desenhos e pinturas de diferentes proveniências e materiais, nomeadamente: pedras encontradas, objetos de barro, tela pintada, vidro pintado e papéis post-it desenhados a grafite. À primeira vista, esta multiplicidade de origens e formas pode fazer notar diversas frentes ainda dispersas e voláteis no corpo de trabalho que o artista têm vindo a desenvolver no escasso tempo que o separa desde a formação em Design, realizada na University of the Creative Arts, em Londres em 2016-2019. No entanto, de facto, a complexidade parece ser de outra ordem. Se nos debruçarmos, literalmente, sobre as obras expostas, a pequena dimensão das mesmas assim o exige, podemos verificar uma linha consistente e unificadora entre elas. As palavras, escritas sempre com o mesmo tipo de letra, estão presentes em quase todas as obras da exposição. Para se ser mais correto e preciso, as obras são construídas através destas palavras, ou seja, as letras que constituem as palavras são elas próprias desenhos que ocupam o espaço bidimensional ou tridimensional em que são apresentadas. Também os materiais onde as palavras são escritas têm relevância: o vidro é frágil, as pedras fortes, os post-it para não esquecer. Esta premissa é uma questão formal. A fonte da letra é manual e encontra-se esborratada e suja. Esta caligrafia, apesar de seguir uma coerência, remete para o que se ensina quando se aprende a escrever e é de entendimento fácil, mas com espessura, o que talvez seja uma referência à formação do artista ou esteja em confronto com fontes usadas no Design Gráfico. Esta caligrafia permitirá não só compor um desenho que ocupe o espaço que lhe foi atribuído e dificultar a leitura, mas também revelar algo que pode ser visto como uma premissa conceptual e que se forma como unificadora da obra. Neste sentido é necessário indicar quais as palavras ou frases representadas: Post poetic dreams; Noites Brancas; testamento; police kills in 2020; america is burning; Regicídio; Military Dreams, Artist as Athlete; peting the working class; dreams on Revolution; “apagar história”???; Bio Politics; banho de água cheia; pés no chão frio; abaixem lá a bola oh bófias, caralho pá!!! e tu também; “eu tinha que ser artist”; nostalgia for the present; Exodo Urbano; fast parenting; talento; unnoticed; digital black face; forguetful; és um porco racista; Mindful Vandalism; mijo amarelo escuro; pandemic dreams; disgraced monuments, cheio de fronteiras; post quarentine Love; Mau Aspecto; Post social trauma. Ao refletir sobre o significado de muitos destes conceitos nota-se não apenas a contemporaneidade de tais ideias, como também a pertinência contestatária e revolucionária que deles advêm.
Ao unificar as questões formal e conceptual a obra de João Rosa Narciso revela-se na pertinência de atirar pedras ou palavras com a boca. Através do arremesso de arte, ou de objetos artísticos, é possível situar o seu lugar de presença, da sua voz e da sua fala, num mundo cada vez mais estranho e opressivo, em que o poder reside omisso e invisível. Neste sentido, a revolução tem que ser feita nas manifestações de rua e nos desacatos com a autoridade. Não é possível omitir que grande parte das obras aqui apresentadas foram realizadas em tempos de pandemia da COVID 19 e em tempos de quarentena obrigatória determinada pelo estado de emergência decretado pelo estado. Como também não é possível esquecer que a voz e as palavras serão, porventura, a expressão limite da liberdade e da independência individual e coletiva. A força das palavras é questionável na medida que o seu isolamento torna-as mais visíveis e legíveis para que se possam fazer ver e ecoar na cacofonia do quotidiano.
Outubro 2020 Hugo Dinis
João Rosa Narciso (1996), vive e trabalha em Lisboa. Entre 2016-2019 foi estudante de Communication Design (BA Hons) na University for the Creative Arts, Farnham em Inglaterra . O desinteresse pelo curso transforma o quarto em atelier e desenrola-se uma prática de pintura e desenho autodidata obsessivo, focado na técnica e aprendizagem forçada e apressada. Processo esse que fica documentado no livro de 248 páginas, “Os Perigos de Arrancar o Dente de Leite à Força”, pensado e editado no âmbito do curso como projeto final. Foram impressos 13 exemplares.
Durante os meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2019 fez uma residência artística no Atelier Mar, em Mindelo, Cabo Verde. Da qual resultou a exposição coletiva, “A Primeira mostra do Buldonhe”.
No início de 2020 reúne em livro os “Desenhos Londrinhos” — Os DEsenhos Londrinhos são um conjunto de desenhos e palavras escritas à mão através da aplicação descontrolada da força de um riscador (vários) sobre uns quantos papeis brancos. São desenhos que vieram de cadernos cheinhos de páginas vincadas umas nas outras que passearam por londres durante o verão de 2019 enquanto lavava pratos for a living e bebia copos for fun.
Através de trabalhos de texto como o livro-poema “Alongamentos” pretende uma transcrição documental da vida real através de reflexões autobiográficas. O trabalho que tem vindo a desenvolver desdobra-se sobre um prática de desenho, pintura, som e escultura de forma a criar narrativas de experimentação poetico-visual.
No inicio de 2021 foi convidado pela dupla de artistas Sara & André para participar no Inquerito a 263 Artistas publicado pela revista Contemporanea.
A meados de 2021 começa a projetar o que viria a ser a editora Barriga. A pensar o livro como uma tela em branco e devolvendo-lhe o titulo de objecto de feitura manual. A editora é lançada a 22 de Janeiro no Cosmos, Campolide com um livro roxo de poemas de Sara & André e um livro castanho de poemas e prosas de Franscisco Eduardo. São livros de tiragens reduzidas, feitos em casa, impressos numa impressora caseira, dobrados e agrafados por mim.
All the Small Things de Lucía Vives será lançado no dia 14 de Abril no Cosmos, Campolide à conversa com Lucía Vives e Pedro Barateiro.