De 22 Maio até 26 Junho 2021

Cristina Ataíde

Who I am? Who are you? 

Exposições

Espaço Triângulo

No catálogo da exposição “Oposições” de Cristina Ataíde, apresentada na histórica Galeria Graça Fonseca em 1994, Alexandre Melo escreve um texto, intitulado “Objectos Quase”, onde discorre sobre questões indexadas à apropriação e ao readymade a propósito das esculturas da artista e da ambiguidade presente na relação destes objectos/esculturas com o espectador. Passadas três décadas, por assim dizer, algumas destas esculturas voltam a ser expostas num contexto de trabalho que naturalmente conheceu um desenvolvimento formal e conceptual diferenciado que não se detém numa visão antológica ou sequer numa revisitação do próprio trabalho, uma prática comum ao processo artístico. Porém, as palavras que determinam uma oposição e o advérbio “quase” mantêm-se como uma constante quando lemos o título da presente exposição: Who am I? Who are you?, que nos reenvia para uma relação de duplicidade e de diferença mas, no mesmo momento, de proximidade e de cumplicidade na relação com o Outro. De que forma estão presentes estas questões e de que modo nos afectam no espaço da exposição? Como relacionar um questionário de resposta voluntária com as esculturas austeras, por vezes sujeitas a uma subtil marcação cromática, e com uma obra constituída por 95 folhas de papel vegetal usadas para separar as folhas de arquivo de antigos álbuns de fotografias familiares ou de viagens, e onde descobrimos o recorte de formas tridimensionais apropriadas ao teste de Rorschach? É nesta transição entre quem eu sou, e tu quem és, que se pode configurar uma oposição, aparente, entre o Eu e o Outro. Entre a dureza da grafite que cobre as esculturas de matriz industrial e o pigmento que as transforma, sem referência catalogada, porque esse pigmento é também uma matriz essencial que Ataíde interiorizou numa das suas viagens, neste caso em particular à Índia. Acresce ainda a observação de um desenho em papel chinês, suspenso, intitulado “Yes, I am!”, com a data de 2015-2021, de dimensão indefinida no confronto com o nosso corpo, composto por secções quadrangulares de grafite e algumas inscrições de letra padrão como um carimbo. Numa delas podemos ler “Não quero sentir medo”.

O questionário que aqui referi presentifica uma atitude estrutural no trabalho da artista, pautado por uma dualidade entre o confronto e a partilha. Este questionário detém-nos perante perguntas como, por exemplo: “Quais os seus desejos há 2 anos?” e é acompanhado na página contígua por uma
estampagem a partir de um desenho original de uma figuração Rorschach que se replica em toda a paginação, sendo contudo cada desenho diferente do outro, em confronto com o questionário que é o mesmo. Para uma mesma questão genérica, pode existir uma miríade de desenhos e de matrizes dos mesmos, apenas condicionados pela dimensão material do livro e pelo seu uso manuseado. Este livro de artista transforma-se no epicentro da exposição por duas razões: a primeira porque ao ser exposto como objecto tridimensional nos coloca no plano dos objectos escultóricos que estão no espaço da galeria, emergindo da parede e do chão numa composição única entre a fragilidade quase invisível dos desenhos recortados e a presença física e orgânica das esculturas em madeira e em bronze, materiais que simbolizam solidez e perenidade. A segunda razão, do meu ponto de vista, prende-se com a necessidade de escutar o(s) outro(s) a partir da apresentação do questionário, a ser assinado com o nome ou com um pseudónimo, princípio fundamental que chama a atenção para a liberdade individual num processo que se torna colectivo. Ainda acerca do livro e do processo de apropriação, este não decorre da imediata integração de modelos de reflexão, mas de uma necessidade subjectiva de auto-conhecimento, de ascese e de encontro espiritual que a artista vai desenhando na sua vida em comunidade, e que se vai revelando pelas referências a autores como Pablo Neruda, neste caso em particular a partir do “Livro das Perguntas”, traduzido da versão original, em 1974, por Ferreira Gular. Deste modo, a obra de Cristina Ataíde vai sendo construída a partir de revelações, de questões, de transições visuais imaginárias e de um conhecimento do vocabulário dos materiais que se funde com o vocabulário da palavra escrita, em que tudo se transforma em escultura, em corporalidade, em tensão carnal e ao mesmo tempo reflexão introspectiva. A palavra/escultura desenvolve-se na espacialidade, sempre imprecisa, do corpo através de índices improváveis pela sua extensão, quando lidos ou percorridos sobre os nossos pés, como por exemplo uma das peças presentes na exposição “Dar Corpo ao Vazio”, intitulada “My body in dust”, trabalhada entre 2006 e 2020.

Este percurso temporal que as obras de Cristina Ataíde denotam, por vezes de mais de uma década, revela inevitavelmente uma consciência da importância da memória, dos registos que nos devolve e das formas arquetípicas que nos são dadas a ver em cada questão que a artista nos propõe, sejam estas sob a égide da palavra, ou partindo do pigmento matricial assente pela manualidade trabalhada sobre matérias e materiais que parecem opor-se, sem tempo definido mas com cadastro anotado.

- prefácio (para começar pelo final)
O livro de artista, composto por um questionário e uma selecção de desenhos estampados, convida-nos a participar numa proposta relacional do trabalho da artista. É um trabalho em comunidade. Como foi referido, estes desenhos são provas únicas dos desenhos originais, que a artista declara de venda livre, a favor de uma história que entende proteger e fazer prolongar no tempo. E onde já esteve, e expôs, na década de noventa. A Cooperativa Diferença.
João Silvério

Nasceu em Viseu,1951. Vive em Carnaxide, concelho de Oeiras e trabalha em Lisboa.
Licenciada em Escultura pela ESBAL, Lisboa. Frequentou o Curso de Design de Equipamento da ESBAL, Lisboa. Foi directora de produção de Escultura e Design da Madein, Alenquer de 1987 a 1996 onde trabalhou com Anish Kapoor, Michelangelo Pistolleto, Keit Sonnier, Matt Mullican, entre outros.
Professora convidada da Universidade Lusofona em Lisboa de 1997 a 2012.


Expõe com regularidade desde 1984 e as grandes instalações e o site-specific, ocupam um importante lugar nas suas mostras. A sua obra, feita muitas vezes em viagem, transita entre a escultura e o desenho passando pela fotografia e vídeo. As preocupações com natureza e sua preservação é uma das constantes do seu trabalho e pesquisa. É representada pelas galerias: Galeria Belo-Galsterer, Lisboa; Andrea Rehder, Arte Contemporânea, São Paulo | BR; Galeria Ybakatu, Curitiba | BR; Galeria Quatto, Leiria; Galeria Magda Bellotti, Madrid | ES.