De 11 Setembro até 16 Outubro 2021

Isabel Dimas

Cyan

Exposições

Espaço Quadrado

uma forma de luz / cianótipos de Isabel Dimas 2021

a leveza não se traduz nem explica , não se ilustra nem comenta — como não se deseja nem se procura sem antes saber que há ., a riqueza que a suporta raramente é percebida .. surgem ambas sempre em estado simples ainda se o processo para a atingir esteja longe de o ser.

divagam imagens surtidas por entre imaginários : vagueiam como registos fósseis ., ou evocando linhas galácticas ., ou redes neurais ., filamentos de partículas sub-atómicas ... , ou como meras folhas raízes poeiras e areias , mais acessíveis e ordinárias contudo , aqui , os gestos para obter novas impressões , não são dirigidos a seres iluminados ( que revelarão o seu instante e presença pela luz ) , mas a sombras por fixar (que se irão revelar , à luz , pelo tempo , variável)

a técnica é já idosa ., sem câmara , recupera o labor directo da luz solar , em superfícies quimicamente preparadas , mais opacas ou translúcidas , sobre elementos que farão / serão silhuetas e sombras , que assim ficarão registadas com o tempo que passa , de modo fiel mas sempre ligeiramente impreciso , a tons azuis fluidos , até ao ciano escuro

neste tipo de trabalhos , os desenhos serão sempre difíceis de negociar , ou sequer de fixar segundo uma hipotética forma ideal ... muito se passa conforme o sol permite e as nuvens se comovem — que o ofício das suas sombras também deixa rasto — , mas nada acontece sem uma certa sensibilidade

na medida em que o sol impressor e o seu meio atmosférico o permitem , cada cianotipia é um registo , nunca completamente controlado , de trânsitos efémeros , da sua passagem e do seu encontro , cruzamento e concurso — tudo jogado a outro tempo ., mas , nestes casos, em positivo ou em negativo , nenhuma prescinde de uma particular composição prévia : cada desenho da luz obedece a um trato que implicou sempre , na dis posição a imprimir , lances de risco jogados ao ( quase-controlado ) acaso solar ... para uma certa perpetuidade

as 'amostras' serão um laborioso registo de sombras acesas , abstractas ou reconhecíveis , sob um fundo onde houve luz e agora se afunda o azul ( tão celeste ou marinho quanto ) ciano ... luminoso . mas cada exposição de tempo variável supõe gestos de paciência , que exigem , por isso , além da atenção e controlo , uma certa 'humildade' ; tanto pela suspensão da vontade rápida em obter fins precisos , como pela aceitação do 'erro' durante os necessários testes / ensaios , em exercícios para fins sempre imprecisos e relativamente inesperados ., contemporizar é parte essencial deste lento processo — e a sua leitura sugere um tempo análogo .. a obra arrasta o trabalho que deu

não é fácil encontrar simplicidade em estado tão exposto , e , simultaneamente , com a riqueza mais que suficiente para brilhar pela discrição ; uma espécie de fragilidade que se afirma sem artificialidades em dimensões e escalas de mãos dadas.

a rememoração de técnicas , esquecidas ou abandonadas — substituídas por novas com outro tipo de custo e proveito — , pode surpreender pelo mero contraste com as mais actualizadas / habituais , ou , talvez sobretudo , pelo tipo de resulta dos plásticos obtidos ., porém , esta proposta da Isabel Dimas , nua na sua simplicidade , ainda se não tivesse mais pretensões que mostrar o lado solar das sombras , surpreende também — como sinal de
( dolorosa ) actualidade , talvez comum e partilhada por quem as lê — pelo fundo desejo de leveza .. aquilo que a todas as sombras dá uma forma de luz.

Manuel Rodrigues . 07.21