Em agosto luziu longamente uma estrela que há muito explodiu na constelação distante. E choveram perséiades. O rapazinho do livro perguntou então de novo se tinhas caído do céu. E agora, diz ela que está cansada. Dizem estes que talvez ainda aguente. Dizem aqueles que os gestos têm que ser outros, sobretudo. Entretanto, as cores fazem-se surdas na luta que continua, mínimos atos, sejam afagos ou murros na matéria terrena do tempo.
Estes trabalhos complementam uma série de papeis deste ano que, num espaço aparentemente fechado, indagavam paisagens possíveis de uma personagem múltipla, entre o encantamento e a inquietação. A narrativa, ali plural e descontínua, neste caso regressa ao gesto e a uma depuração de signos na senda de um anterior pintar es como golpear: não como a Equipo Crónica, mas ainda soma de destruições, intuindo a cegueira de sementes escondidas no escuro, a rasgar por luz. Digamos que, no fundo, se trata apenas de procurar outra forma de falar do mesmo: paisagem, aqui sem linha do horizonte. Porque, insistentemente experimentar espaços e procedimentos pictóricos é, de algum modo, testar os limites de um corpo possível, pele contra pele e, fatalmente, do que ele pode dizer (arriscando descobrir mais do que o identificável por nomes e des-pa-lavrando para mais tarde outras narrativas precisas).
Certo, nestas andanças nunca deixa de haver limitações à partida, tanto em condições como escolhas - aqui um quadrado irregular com paredes, teto baixo e janelas com grades; giz com que se risca em vez de carvão; cor em vez de negro ou ao contrário; pigmento em vez de um véu de linho fino; tela em vez de terra. E um círculo (todo, termo sonoramente expressivo) é, desde logo, apesar de tudo, ícone, lembrando planetas caídos, mas também relógios, medalhões e até pratos e cozinhados ao lume.
Ainda como em placas de petri, este exercício implica manutenção e dislate, jogo livre, scat assim como: sobre tela ela sobre a terra erra sobreti i; assim, voltar atrás, à matéria essencial; insistir no gesto e numa poética ampla e particular; olhar de longe, duma galáxia distante e de muito perto, por dentro e de fora, as unhas sujas de lamas, as narinas frementes no ar, na memória cheiros a despertarem, sons e sabores, o que não se deixa ver apenas, humildemente, re-experimentar esvaziar de intenções, pretensões, ícones sociáveis; deixar acontecer outra representação do real [ireal, vida fugit]. O que não cabe nesta sala, quiça mais do mesmo, ou então, subtil diferença.
Isabel Sabino
N. Lisboa, 1955. Lic. Artes Plásticas/Pintura (ESBAL, 1978); agreg./equip. dout (ESBAL 1992); agreg. univ (UL, 1999). Docente no ensino sec. 1976-1982 c/ estágio em 1979. Docente conv. ESTCinema/IPL 2002-2003. Docente na ESBAL/ Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa desde 1982, actualmente Prof. Catedrática. Membro correspondente da Academia Nacional de Belas Artes.