Em Novembro de 2011 foram encontradas amostras de osso de rato doméstico (Mus musculus) na Ponta de São Lourenço, Ilha da Madeira, que, após submetidas a datação por radiocarbono, demonstraram que os animais a quem pertenceram os ossos morreram por volta de 1030 DC, data anterior à colonização portuguesa das ilhas do arquipélago em 1419.
Paralelamente, foram feitos estudos às atuais populações de rato doméstico na Madeira revelando que estas possuem um ADN mitocondrial geneticamente muito semelhante ao do rato doméstico da Escandinávia e norte da Alemanha – que é distinto do rato que se encontra comumente no território continental Ibérico e norte Africano.
O resultado destas pesquisas, bem como o isolamento geográfico do arquipélago da Madeira, torna muito pouco plausível a hipótese de estes animais terem chegado à ilha à boleia de algum detrito flutuante ou por qualquer meio que não por influência humana.
Estes fósseis datam de um período que coincide com a era em que exploradores Viking invadiram outras zonas da Europa e norte de África sendo possível, portanto, que estes exploradores tenham passado, por acidente, um pequeno período de tempo na ilha, embora não haja evidências históricas ou científicas suficientes para provar esta teoria.
Esta hipótese não comprovada simboliza a introdução do que terá sido a primeira espécie de fauna invasora inserida por influência humana na ilha da Madeira. Uma ocorrência que, tudo leva a crer, terá levado à extinção de dois terços de espécies endémicas de pássaros, provocando um desastre ecológico. A nossa relação com o rato doméstico é extremamente complexa. Embora o vejamos como um animal indesejado, uma espécie que transmite doenças, involuntariamente contribuímos para a sua sobrevivência, nutrimos a sua existência e potenciamos a sua propagação.
De facto, a introdução de diversas espécies de ratos e ratazanas em territórios espalhados pelo mundo, ocorreu devido a um erro humano, potenciada pelas navegações e migrações e foi-se repetindo ao longo da História. Os efeitos que este fenómeno teve nos diversos ecossistemas, foram, por vezes, de tal modo impactantes que as suas consequências são ainda visíveis e reconhecíveis hoje em dia e moldaram indelevelmente a nossa relação com este tipo de animais.
O’ mice an’ men aborda o simbolismo latente na descoberta feita na Ponta de São Lourenço e examina a relação errática entre humanos e ratos, procurando explorar as suas discordâncias e os seus pontos de contacto. Este trabalho explora os extremos a que chegamos, enquanto seres humanos, para arranjar formas de eliminar ou afastar esta espécie de roedor do nosso espaço privado e a comicidade inerente a tais esforços. Existem armadilhas de vários tipos, há certos cheiros ou sons que acreditamos que irão manter estes animais afastados ou atraí-los, e existem medidas e comportamentos conscientes e inconscientes que adotamos para evitar qualquer contacto direto com esta espécie. No entanto, a tarefa de eliminar ou evitar estes animais tem tanto de impossível como de ambíguo, e há uma certa ironia no facto de algumas pessoas terem desenvolvido uma fobia contra uma espécie que vive tão próxima de nós, ironia que reside também no facto de homens e ratos terem evoluído a partir de uma espécie de mamífero comum ou na forma como acabamos por sustentar a existência e disseminação destes roedores. Existe um agente anedótico neste eterno medir de forças que se prende com o facto de os ratos serem uma espécie extremamente adaptável e acabarem por instintivamente levar sempre a melhor sobre os humanos.
Hugo Brazão (1989) vive e trabalha entre Londres e Lisboa. A sua prática artística abrange pintura, escultura e têxtil e desenvolve-se a partir do paradoxo ficção/realidade, reimaginando o material encontrado na sua pesquisa e encontrando as suas possibilidades técnicas e as diferentes narrativas que podem ser criadas em torno dele.
Brazão é mestre em Belas Artes com distinção pela Central Saint Martins (Londres, 2015) e bacharel em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa (2013).
Exposições individuais recentes incluem O que há para o jantar? (2022) na Balcony Gallery em Lisboa e a Cat conseguiu! (2021) no espaço do projeto Commonage em Londres. Tem participado em exposições colectivas no Reino Unido, Portugal, Espanha e Itália.
Brazão tem também participado em várias residências artísticas na Alemanha, Noruega, França, Portugal e Reino Unido.